Já faz 66 anos que o primeiro computador chegou ao Brasil, para o Estado de São Paulo e infelizmente houveram poucos momentos em que a inovação tecnológica do nosso país fez a sua lição de casa e alterou os rumos em seus investimentos, apostas e estratégias neste campo tão importante para a inovação. O mais importante deles e que impulsionou uma época muito fecunda em nosso país, foi o incentivo a produção de hardware e software nacional ao longo dos anos 80 e começo dos 90, impulsionados incentivos fiscais e leis estatais como as Leis de Software (Lei nº 7.646/87), e de Informática (Lei nº 8.248/91) que em conjunto com a Sociedade Brasileira de Computação (SBC) e grandes empresas, principalmente os bancos, trouxeram ao longo da década de 90, em meio a abertura econômica, um momento muito fecundo na produção de computadores e softwares nacionais. Empresas como Itautec, Microtec, Microsiga (posteriormente Totvs - que também adquiriu outras empresas) surgiram, universidades produziram softwares experimentais em larga escala (muitos deles utilizados até hoje para meteorologia e telecomunicações por exemplo) - 100% nacionais, além de grandes empresas nacionais terem se digitalizado a largos passos.
A partir dos anos 2000 as coisas começaram a mudar, a internet tornou o acesso a software e componentes/hardwares mais globalizados, leis de incentivo ficaram de lado, perdemos competitividade intelectual e de mercado. Empresas americanas invadiram o cenário nacional com os chamados softwares de prateleira e mesmo que as corporações tenham se beneficiado, isso prejudicou a veia experimental que se construía de forma incipiente em nosso país - o que agora se apresenta como um paradoxo. Hoje o cenário é de larga adoção de produtos americanos, desde softwares de prateleira, componentes, serviços na nuvem e até mesmo a lógica e os processos de construção de software. Universidades se desdobram com poucos incentivos para realizarem investimentos em um cenário pautado por Machine Learning que requer caríssimos serviços de nuvem e/ou computacionais, além de investimento em corpo docente para pesquisa contínua e de ponta.
Passou da hora de mudarmos esta perspectiva, e há uma estratégia possível que passa pela adoção e incentivo ao software aberto visando cooperação. Veja bem, mesmo empresas americanas já apostam nessa virada.
Grandes empresas como o Twitter (salvo toda a confusão iniciada pelo Musk) já expuseram seu código e estão adotando ferramentas abertas para pagamento de suas subscrições.
Obviamente, qualquer empresa que adota software aberto tem como objetivo lucrar e a regulamentação permite, mas principalmente, sabem que criar uma comunidade de reutilização e evolução de código em conjunto é muito mais eficiente, escalável e criativo, já que as evoluções de código são rapidamente incorporadas pelos softwares que as consomem - além de anteciparem a resolução de problemas. Isto requer uma mudança de paradigma: Investimento em pessoal: cultura OpenSource não são como os programas comerciais que você paga uma consultoria (que também custa caro) e em questão de dois meses o software está pronto para usar. Ao contrário disso, requer pessoas pensando no ecossistema de evolução, observando as necessidades da empresa, mas também com um olhar voltado para a comunidade, entendendo o que pode ser aproveitado ou construído em conjunto com outras empresas. Vale cada centavo 🤑!
Este pontapé custa caro, mas traz benefícios para inovação que são exponenciais. O momento agora é propício: estas novas tecnologias de aprendizado não supervisionado requerem pouquíssimo código e muito reaproveitamento de dados, APIs públicas e privadas, softwares no ou low-code. Os desenvolvedores brasileiros que hoje estão diretamente empregados por startups e corporações nacionais e internacionais, poderiam quem sabe estar melhor inseridos em um contexto comunitário e mais estratégico de open-source visando abrangência na comunidade e com isso impulsionariam o desenvolvimento de software nacional, aberto e com vistas para os interesses do Brasil. A própria criação do San Pedro Valley em BH foi uma iniciativa importante para colaboração, mas ficou restrita aos fundadores e gerentes e não estendeu essa veia de construção mútua para as áreas de engenharia, design e metodologias de desenvolvimento de software. Uma pena.
Existem casos de sucesso que podemos adotar como inspiração, um exemplo de país que é referência na utilização de software open-source é a Coreia do Sul. O governo sul-coreano tem adotado uma abordagem proativa para promover o uso de software livre e abrir espaço para a colaboração. Uma iniciativa notável é a Lei de Promoção do Software de Código Aberto, promulgada em 2004. Essa lei tem como objetivo principal aumentar a competitividade da indústria de software da Coreia do Sul e incentivar a adoção do software livre tanto no setor público quanto no privado. Ela estabelece diretrizes para a utilização, desenvolvimento e distribuição de software de código aberto, bem como a promoção da educação e treinamento relacionados a ele. Além disso, a Agência de Software e Conteúdo da Coreia (Korea Software & Content Agency - KOCCA) tem desempenhado um papel crucial na promoção e apoio ao software de código aberto. A KOCCA oferece financiamento e suporte técnico para projetos de software livre, organiza competições e eventos para desenvolvedores e mantém uma plataforma online para compartilhamento de software livre. Bacana, né?
Exemplos existem e é crucial que o Brasil retome sua trajetória de inovação tecnológica e promova o desenvolvimento de software nacional como estratégia de emancipação - já ouviram falar de colonialismo digital? Inspirar-se na abordagem adotada pela Coreia do Sul pode ser uma estratégia viável e promissora, mas não somente isto. Para isso, é necessário um esforço conjunto do governo, empresas, universidades e da comunidade de desenvolvedores. O governo brasileiro tem o poder de criar leis e programas que incentivem o uso de software livre, promovendo a competitividade da indústria nacional e estimulando a adoção do código aberto tanto no setor público quanto no privado. Além disso, é fundamental investir em educação e treinamento relacionados ao software livre, garantindo a formação de profissionais capacitados nessa área. Aqui as empresas têm um papel importante: investir em P&D. CIOs, contamos com vocês!
Especialmente as grandes corporações: elas têm o poder financeiro de liderarem essa mudança de paradigma ao adotarem o software aberto e incentivarem a criação de comunidades de desenvolvedores. Mas também ao expor seu código (parece absurdo, né?) e ao utilizar ferramentas abertas, elas podem não apenas lucrar, mas também se beneficiar do reuso. Isso gera confiança no mercado e eficiência operacional. Chega de consultorias e softwares caros!
As universidades desempenham um papel fundamental na formação de profissionais e na pesquisa científica. É essencial que elas recebam incentivos e investimentos para realizar pesquisas em áreas de ponta, como ML e Deep Learning, mas também na fabricação de semicondutores, aproveitando as oportunidades oferecidas pelo software aberto. Há esperanças que o novo governo retome os investimentos congelados pelo seu antecessor ultra neoliberal empossado em 2018.
É necessário também fomentar uma cultura de colaboração e construção mútua entre os desenvolvedores brasileiros, questão de mudança cultural mesmo. Iniciativas como o San Pedro Valley em BH podem ser ampliadas, proporcionando espaços de troca de conhecimentos e experiências, não apenas entre os donos, mas também entre engenheiros, designers e profissionais de diversas áreas relacionadas ao desenvolvimento de software. É importante que essa mentalidade de cooperação seja disseminada, estimulando a participação ativa da comunidade como afirmação política que traz benefícios financeiros ao nosso povo.
Com uma abordagem aberta e colaborativa, o Brasil pode revitalizar sua indústria de software, impulsionar a inovação e criar soluções adaptadas às necessidades da nossa região - e ganhar espaço na América latina. A mudança de perspectiva requer investimentos, mas os benefícios para a inovação e o desenvolvimento tecnológico serão exponenciais. É hora de construir pontes, abrir espaços públicos e privados para a participação da comunidade e mobilizar os diversos atores envolvidos nesse cenário, visando um futuro de software nacional e aberto. Bora lá, isto podemos construir juntos. 🚀
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